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Monstera Amarela

Palavras soltas sobre coisas improváveis, situações mundanas, mágicas inertes e sonhos nómadas.

Monstera Amarela

Palavras soltas sobre coisas improváveis, situações mundanas, mágicas inertes e sonhos nómadas.

17.Fev.18

Extraordinário

Anteontem senti-me que nem uma miúda prestes apresentar um trabalho para a turma inteira ou como alguém que vai fazer um teste e não estudou, aquele nervoso que nos deixa abalados e com o coração na boca, há tanto na cabeça ao mesmo tempo que nada é processado como deve ser, muitos dos pensamentos nem sequer chegam a ter seguimento, ficam perdidos naquele remoinho do caos de ideias e sentimentos. 

 

Anteontem fui fazer um exame auditivo, mais um. Já fiz tantos mas a sensação quando me sento na cadeira e pedem-me que tire os aparelhos auditivos, colocam-me os fones e dão-me indicações que devo tocar no botão logo de imediato quando e se porventura ouvir um som é de assustada, nervosa e um pouco ou nada desfeita. 

 

Um som. E eu penso, será que os vou ouvir? Vou fazer um teste que já sei que vou chumbar, que por mais que esforce vou ficar aquém do que seria esperado, a resposta vai ser mantém-se ou na pior das hipóteses que agravou. 

 

É inglório, não posso preparar-me como o faria para uma apresentação pública em que estaria decerto nervosa mas segura.Tenho respostas e sei do que falo. Contudo neste teste nada me safa senão a capacidade de ouvir. E esta é danada porque não está nem aí para mim. 

Estes exames são extenuantes para mim, porque a mente prega partidas e eu preciso de distinguir entre o que são os sons verdadeiros feitos pela máquina daqueles que a minha mente reproduz. Os vestígios das frequências que se mutiplicam e ecoam na minha cabeça. Senão estarei a carregar non stop no dito botão e de avaliar nada feito.

De vez em quando olho para quem faz o exame e tento perceber o que é que ela está a ver, o que será que pensa? Mas desisto da ideia, porque o olhar é sempre neutro e se existir algo seria pena.   

 

Odeio exames auditivos, fazem-me sentir outra vez uma miúda pequena a enfrentar o desconhecido sabendo que vai sair derrotada.

 

Acabei o Wonder de R.J Palacio, e há uma parte em que ele precisa de usar aparelhos auditivos. E eu revi-me no que ele disse, porque quando o meu mundo ainda era um borrão de sons e cores nítidas quiseram que eu os usasse, e eu disse que não, recusava-me. Eram grandes e feios. Iam acentuar ainda mais o quanto diferente era dos outros miúdos, já não bastava não ouvir teria agora de usar aquele carimbo. Esta miúda não é igual a nós. 

 

Mas a insistência derrotou-me e quando percebi que o mundo era maior com eles, nunca mais os larguei, não quer dizer que tivesse deixado de os abominar, isso ainda durou uma vida para curar esse ódio, apenas tolerava a sua existência porque precisava deles se queria que o meu mundo deixasse de ser silêncio pontuado por sons graves. 

 

Aqui vai o excerto do que ele sentiu, quase garanto que se existisse a magia seria isto. 

 

"Como poderei descrever o que ouvi quando o médico ligou o meu aparelho auditivo? Ou melhor, o que deixei de ouvir? É demasiado para encontrar palavras. O mar deixara de habitar dentro da minha cabeça. Desaparecera. Conseguia ouvir os sons como luzes brilhantes no meu cérebro. Era como estar num quarto onde uma das lâmpadas do teto não funciona, sem darmos conta do escuro que está até alguém mudar as lâmpadas. Depois pensamos: <<Uau, que claridade que está aqui dentro!>> Não sei se há alguma palavra que signifique o mesmo que <<claridade>> em termos de audição, mas gostava de conhecer uma, porque agora eu ouvia claramente."

 

"Olhando para trás, nem sei porque andei todo este tempo tão stressado com isso. É engraçado como às vezes nos preocupamos tanto com uma coisa, e depois vimos a concluir que não é nada de especial."

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