Pensei mesmo que seria para sempre, desculpa
Tenho um amigo há doze anos, não foi amor à primeira vista mas com tanta invasão do espaço pessoal lá nos tornamos íntimos. Crescemos juntos, vivemos muitas folias, tivemos alguns dissabores mas sobretudo posso dizer que nunca viajei tanto com alguém como com ele.
Sabido é, que tudo o que começa está condenado a mais ou menos dia acabar, é a lei da vida, do tempo que passa e das relações que se constroem.
Após doze anos, vou tirar a minha santa placa de metal e os seus oito afiliados do meu pé. Deveria ter sido após um ano da colocação, mas não fosse eu chamar-me de Isabel e o hospital Santana ter um péssimo atendimento ao cliente ela teria com toda a certeza de ficar mais tempo. Só para provar que amores destes são possíveis.
Isto levanta alguns receios, primeiro vou fazer na Alemanha. Onde para além de ser anestesiada falam outra língua. Sim, eu sei que percebo alemão, mas nada jamais substitui a nossa língua materna quanto ao entendimento de uma situação em momento de aflição. E sim é um momento de aflição porque vou ser anestesiada, que odeio de antemão, já levei com ambas as opções e sou da opinião que venha o diabo e escolha a melhor.
Segundo vou fazer a operação no Hospital onde trabalho, porque ao fim e ao cabo, é o que conheço melhor. No entanto, não deixa de ser embaraçoso pensar que vais ficar deitadinha na maca com as intimidades meio destapadas para meio mundo ver, sei que não trabalham comigo mas de vez em quando lá me cruzo com eles. Já consigo imaginar o meu pensamento quando os vir assim por acaso no corredor, Ele já quase que viu o meu pipi... Olha para o lado Isabel, e finge que não os viste, isso, linda menina.
E depois vou tirar um amigo, sim eu estava a falar a sério. Eu tenho isto há doze anos! D O Z E, tenho 26 neste momento, e desde os 14 que aqui anda. São muitos anos, nos quais teve mais que tempo para se fundir ao meu osso e aninhar-se nele, enroscar-se que nem gato bébe na mãe. E querem tirar? Mas como? Como gente? Que magia macabra é essa que vão usar em mim? Porquê agora?
Têm a certeza que não pode ficar aqui para sempre e todo o sempre, até ser velhinha e já ter mais metal no corpo do que juízo? Ao que parece não, tenho dores e os tais 8 afiliados, que já agora são parafusos, já se notam através da minha pele que a cada dia vai ficando mais lisa e fina.
Digam lá que o quadro não é perfeito? Eu sonho com o drama, com gatos bebés enroscados, com ferrugem e restos de músculo misturados, em feridas que não fecham, nas pseudo-cuecas que vou ter de vestir para o dia D, no meio de tudo isto, sonho em comer castanhas assadas. A irracionalidade tomou controle dos meus sonhos, e o stress manifesta-se num tremelique desalinhado do olho esquerdo.
Mas pronto, percebem em que ponto está o meu nível de ansiedade loucura? E mais! Hoje tive a consulta de preparação pré-operatório, o médico ressalvou o seguinte ah e em tantas outras possibilidades há aquela em que podemos partir sem querer o seu osso. Estão a ver a cena do filme, em que os olhos rolam e toda acção pára para apreciar a desordem que aquela afirmação acabou de lançar? Entro com um amigo e saio com outro? Oi?
Vou esquecer que ouvi isto, e concentrar-me no momento auge do dia em que despi os meus collants (excelente escolha para esta consulta, bravo Isabel) à frente de um médico novo de Ortopedia que trabalha no meu hospital e o apelido é qualquer coisa, que traduzido do alemão fica "Gatinho". E de facto, ele é um.
Poderia ser menos pertinente com a escolha de vestuário e poupar-me a estes momentos de vergonha pública.
E sem querer que não foi de propósito, a operação foi marcada para dia 13 de novembro. O dia em que há três anos deixei Portugal e mudei de país, desta feita, em 2017, doze anos depois vou finalmente deixar de apitar nas seguranças do aeroporto.
#nuncavivaspormenos
#collantsegatinho
#friendsforeverandever