Quando a enfermeira também precisa de um divã
Quando entras num quarto e vem logo aquele ar, aquela lufada que não precisas que ninguém te diga mais nada, é certo e sabido. Directa e artilhada com tudo o que houver para limpar este mundo e o outro, vais confiante, sem medos e diriges-te ao doente e reparas que as mãos ja há muito que foram brancas cor de pele, agora estão uma mistela de sujidade, luvas castanhas até quase a roçar o ombro.
Cautelosa, que há perigo iminente ali, sem muitas pressas e atenta ao teu redor mudas a fralda e numa questão de segundos, numa fracção do tempo existe todo um movimento, sem dares por isso, vês garras em vez de mãos, tudo enlavado em merda, e elas vêm direito a ti. Mais precisamente aos teus braços, tu reages, tu tentas escapar, ser mais rápido, gritas no teu íntimo mas tão alto que dói, rezas e sentes mas se sentes o verdadeiro pânico. O pânico do toque, daquele toque.
E foi tarde demais, elas já estão ali, a cravarem-se nos teus braços, sedentas por atenção e tu respiras fundo e pensas, não há desinfectante suficiente que lave isto, esta dor, esta sensação de caca de outrem entranhada na tua epiderme, a criar casa na tua pele, nos teus poros quase em vias de chegar às veias.
Aconteceu-me hoje. Acontece-me mais vezes do que gostaria. Puro pânico.